Se ao menos por um instante eu pudesse reescrever o famoso poema “Funeral Blues”, escrito pelo inglês W. H. Auden – magnificamente lido no filme “Quatro casamentos e um funeral”, eu talvez o fizesse assim: “Que parem todas as prensas, computadores, repetidoras de TVs, smartphones e toda a tecnologia. Que sejam tiradas do ar todas as redes sociais. Que emudeça não o piano, mas as vozes dos apresentadores de todos os canais do mundo, que possamos ouvir apenas o som dos tambores que virão de algum lugar do Oceano.
Que os aviões, gemendo acima em alvoroço, escrevam contra o céu o anúncio: estamos em silêncio – e em paz. Que as pombas se aquietem, pois não precisam mais se inquietar diante do excesso. Que todos possam se locomover para onde quiserem: norte, sul, leste, oeste, e sejam recebidos com alegria pelos seus iguais. Vamos deixar quietas as estrelas, a lua, fazer as pazes com o sol, deixar viver os mares, as florestas”.
Digo isto porque ando cansada de tantas notícias ruins, alarmantes, extremamente dolorosas e tristes. Não quero mais saber de escândalos, nem propinas, negociatas, assaltos aos cofres públicos e aos bolsos da população. Não quero ouvir falar sobre a reforma da Previdência, nem a volta da CPMF ou rebaixamento do País no mercado internacional. Não quero saber de estupros, de famílias perdidas e sem esperança, de crianças usadas para o crime e propaganda, de jovens sem futuro e sem educação. Cansei de olhar fotos e cenas de uma guerra urbana sem sentido.
Ando enfastiada de ouvir falar sobre o mosquito, enquanto esgotos correm a céu aberto e a população continua espalhando lixo por absoluta falta de noção. Continuo enojada com o toma lá dá cá no Congresso, enojada com a cara de pau de políticos que gastam os nossos impostos em uísque, carros blindados, tríplex na praia e viagens de primeira classe. Não quero saber de amantes, secretárias ou jornalistas sem escrúpulos, da deselegância e falta de decoro dos envolvidos. Ando sem paciência alguma para as opiniões de especialistas e o constante julgamento de incautos – e ignorantes.
Que sejam todos enviados novamente para as escolas. De preferência em tempo integral. Que lhe sejam oferecidas aulas de ética em profusão. Que a maioria das aulas seja de literatura e a outra de matemática – para ensinar o raciocínio. Que a saúde – e não a doença – seja direito de todos e a segurança um gênero de primeira necessidade. Que o silêncio seja incentivado, diariamente, em todos os lugares, por cinco minutos. Que sejam desligados todos os barulhos e com eles as nossas indignações.
Porque o mundo está repetitivo demais - e muito chato. E estamos nos acostumando a tudo. Mas não devíamos. Já disse a escritora - e sábia Marina Colasanti - no livro: “Eu Sei, Mas Não Devia”, que a gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. “Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá...
A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma”. Tem razão, Marina. A gente não deveria se acostumar com uma vida tão banal.
Theresa Hilcar
Jornal Correio do Estado